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PAULO LANDECK

Atualizado: 19 de ago. de 2023





NATAL


Nem realidade

nem sonho,

bolha de sabão,

o natal.


Sob cintilante manto da palavra escrita

oferece promessas de cometa,

estendida nas asas-dedos-de-anjo.


Como quem ampara 365 noites e desejos,

ou depois da terceira centena,

66 de ancestral e crepitante paganismo.


O embrulho por São Nicolau faz o presente.





DESADORMECER



Céu azul na janela entreaberta.

Colorido antagónico ao frio da estação.

Ruidosas escovas rotativas cumprem intermitentes promessas, de lixo, por apanhar.


Procuro cicatrizar meu despertar.


Cerco inquietação de olhos fechados à dormência. Como mata-borrão em tintas de mil cores!

Explode vigilante azul-turquesa, e mais galáxias, dentro de lábios cerrados que se agigantam no escuro. Antes da letargia, um esboço a óleo resiste: azul-turquesa.


– É para mim!?


Por ápices, eleva-se a questão do andar inferior, ao som da buzina.

Motor engasgado pede para hibernar.

Confiante, o que rasga céu e prédios com asas.

Estremecem janelas de vidas distantes. Como desenho riscado por criança. Vislumbro rumo, pequeníssimas nuvens brancas sonhadas por Ícaro.


Desabafos de enorme alívio recolhem carga pronta no fim da canseira, por tampas seladas com estrondo.

Há gente a escovar folhas à rua.

Alguém cuida da criança que se deixa pentear.

O prédio tosse convulsivamente.

Um carro aguarda melhorias, confirma instável ralenti.

Toda a rua desaparece quando a viatura arranca. Leva ruído à porta fechada, como se o asfalto enrolasse tempo e distância.


Mergulho num círculo vazio sem haste nem pauta…


Passeriformes embelezam hino à respiração sibilante.

Aguardo a rebarbadora; metamórfica canção ambulante; o exército publicitário que nem me dou ao trabalho de responder…

Agarro-me penosamente aos ponteiros finais.


A quebrar paz de alcofa, o silêncio… só, o silêncio.





NOEMA


No cenário azul de nuvens gordas e macias

há expressões que se deslocam em braille.

Nelas podemos escutar o fértil odor da terra e

saborear intenções divinas. Como dedo de

criança erguido ao céu à descoberta.





FEBRE


Rumino silêncios

de óculos postos na cara –

para ler no escuro.


E talvez ajuste dioptrias

para melhor interpretar

borrões

da China.


Quanta tinta derramada na folha virgem cruzará o Atlântico sem demora!?


A caminho de casa ardem outros garimpeiros

enquanto sangue de matas desbravadas tinge muro

erigido sobre carcaça de bicho qualquer:

purulento; fétido; imaculado à nascença.





FAÚLHAS


Do pesado céu

às leves gotículas

afasto negrume ante rasgado esplendor

enquanto rolas enxugam pacientemente

seus casacos.

Pendem lágrimas na sama

Do pinheiro que deixou de ser manso

ao rasgar asfalto.

Promissor

é o cheiro da terra molhada

ou caruma

crepitante.



 

Nasceu próximo do Moinho de Maré de Alhos Vedros e cresceu na periferia. Pós-graduado em Ecoturismo. Observador de espécies marinhas, guia, marinheiro, agente de reservas. Vagabundo do mar e sonhador profissional. Sentiu-se forçado a escrever na areia da praia, depois de varado entre conchas de ostras. Colabora com diversas publicações. Espera publicar o seu primeiro livro em 2022, pela Poética Edições, por antecipação das incertezas da enchente.

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