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Emílio Tavares Lima

Atualizado: 28 de fev. de 2022





NO CONTRAPONTO DA INCERTEZA



Nesse nublado tempo de esperança sugada

Onde nossa certeza não passa apenas e só

Da inquestionável e absoluta dô d’incerteza

Até mesmo a liberdade outrora conquistada


Isso mesmo, agora, nada pode ser inequívoca

Exceto, nossa bendita vontade d’odiar/amar

Além da nossa capacidade atroz de coscuvilhar

De invadir, cobiçar e subtrair pão d’outra boca


Obcecados vivem e hão de morrer por coisas fúteis

E o remorso, e o peso e o nojo que gruda e impregna

E vai até às profundezas d’alma dos corruptos inúteis


Todos inúteis da vizinhança aos confins da minha terra

Todos eles, de vermes não passam e nem se comparam

Que mais falta dizer no contraponto desse tempo incerto?





O SILÊNCIO ESPESSO



Chovia-lhe a transparência no olhar

Miudinhas e oblíquas gotas a brilhar

Mas com o espesso silêncio na alma

Que transbordava fora a sua vivalma


Ergueu-se sobre si, dirigiu-se à janela

Puxou à esquerda a cortina de flanela

O jardim ostentava os tons primaveris

Ficou a apreciar o desenhar do arco-íris


O céu havia acabado de regar a terra

Raios de luz coavam de cima da serra

Na vidraça, solene espetáculo natural


Com jorrar dos raios de luz e, das leves brisas

Desabrochadas e hidratadas eram as pétalas

Todas as rosas lindas tornaram-se mais belas





VAGABUNDA ALMA LISBOETA



Em cada enigmático e vil poeta

Nascem os ecos d’alma profeta

Também a desconhecida faceta

Daqueles que viveram na sarjeta


Entre tanta enrugada cara preta

E na penumbra da fala indiscreta

Cai na noite e amanhece lisboeta

A vagabunda alma bateu caçoleta


Exorcizamos o fado desse planeta

No fim do dia vivido como estafeta

A vida é corrida para cortar a meta


Cantamos e sorrimos dessa vida de treta

Dançamos e enlaçamos como alfa e beta

Vivemos par’ amar, cantar e beijar a teta.





VELÓRIO DE CORPO AUSENTE



Abram a burra que esse burro que sou

Nunca fora capaz de abrir – confessou

Abram as burras de quem nação pilhou

Ao povo deixou pão que diabo amassou


Comprem as velas do meu tamanho

Se soubessem que em cada rebanho

Sempre esconde um corpo estranho

Que dá a nossa alma um gélido banho

Comprem também outra do formato

De um coração do capitão do mato


Não me perguntem porque refuto ir assistir

O velório de corpo ausente da minha pátria

É inadmissível a inversão de ordem natural


Tal como não aceito a morte do menino

Também não pactuo nem ponho veneno

Antecipando o velório de uma nação a pino

E em desencontro com o seu destinto hino


Agora que já sabem a razão da minha recusa

Encarecidamente peço: - rezem como deusa

Na nossa tabanca jaz coração que não repousa

Com angústia pela inverdade diariamente difusa

Por quem expressa, com beleza, nessa língua lusa


De que usa

Por vezes abusa

E não se escusa

Fazer da diaba musa


Vou gemendo e lamentando por aí

Pois, em mim, está atado todo o ato

Da arte, do canto e do brando pranto

Vaidade minha, que falta faz vela no enterro?

Não vou ao velório da minha martirizada Pátria.





SONETO AOS TRAIDORES



Se pudéssemos divisar a dor

Compreenderíamos o pavor

De quem consente o ditador

Albergando tanto dissabor


Nos recantos das albufeiras

Hastear-se-ão as bandeiras

Retumbar-se-á o pátrio-hino

Escutar-se-ão badalados sino


Para lá do asfixiante cântico da guerra

Há de sobreviver quem golpeia e serra

Todos os traidores da nossa amada terra


À tona a verdade vem com ardor

De nada vale consumar batota

O patinho feio é o traidor.





CARMA GLOBALIZADO



Sob fragmentos do céu azul

Ao ritmo infernal acordamos

Mas que inferno é o mundo fora

Ora olhámos para os lados e agora

Tomámos uma das direções

Não importa qual, todas elas

Vão-nos ensinar as mesmas lições


Ganhar é o dilema de todos Roubar

é a opção dos tortos

De garras afiadas assim saímos

Para que certeiro e fulminante

Seja o golpe à preza do dia

Pois o outro, é isso mesmo

Outro, de nada interessa

Nada e para ninguém importa

Importa sim quem dará sangue

Ao vazio e ao carma globalizado


É formato da modernidade A todo

e a qualquer preço

Fazem-nos crer que o perigo

Está para lá das nossas sombras

O desafio é desgrudar de nós mesmos

De nós, do que cremos e acreditamos

Da nossa verdadeira sombra e d'alma

Entregarmos a escravatura moderna Com

purificação, devoção e abnegação Ditam-nos

tudo, e, até algo mais

Até quando podemos respirar Ou

mesmo parar de respirar O desígnio

é tudo entregar Antes desse mundo

pirar.


PS: agora lê de baixo para cima.



 

Escritor, Poeta e Comunicólogo. Autor de vários livros de poesia, romances e mentor de duas Antologias - uma delas reunindo mais de 46 Jovens Guineenses - e colaborando em mais de 15 outras coletâneas. O seu primeiro Romance foi recomendado para estudos Universitário na Universidade Amílcar Cabral (UAC). Representou Guiné-Bissau pela Europa, África e América em vários encontros de Escritores da Língua Portuguesa. É vencedor de vários concursos de poesia na Guiné-Bissau e em Lisboa.

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