ET NOX FACTA EST
I.
A cidade amanheceu febril,
para onde irão
seus transeuntes?
Nos largos nas ruas
e na esquina da memória
anónimos se cruzam.
O diabo sorri
ao atravessar a praça.
Cólera dos deuses,
silêncio cruel,
lividez da megalópole
ainda em quarentena.
No cais do Sena
um pardal caiu do ninho,
ninguém para o recolher.
II.
Estrelas confinadas
no mundo das trevas;
há quatro mil anos
os ogres a despenharem-se
no abismo do tempo,
et nox facta est.
III.
De repente um grito
(ou será apenas o vento?)
roçou nas pedras.
IV
A chuva bate na janela
e ensaia uma canção
para enxotar a morte.
V.
A raposa vai ao baile
dos mascarados.
Ética ou estética?
-Metamorfose.
VI.
Romagem dos flagelados.
Numa limusine
arlequins desconfinados
percorrem o deserto.
O dia escureceu,
perderam o rumo,
e o velho pensou:
ainda saberão voltar?
QUATRO HAIKUS DESCONTAMINADOS
1.
A pega faz seu ninho
A primavera está de volta
O corvo caça a pega
2.
Um cão dorme na sombra
Nada se mexe na aldeia
Os plátanos estão mudos
3.
Já é inverno
No crepúsculo do rio Marne
Os gansos têm pressa
4.
Tudo arde no horizonte
Barco naufragado
O astro finda a viagem
Dominique nasceu em Besançon. Foi professor de português no Ensino Secundário público na região parisiense e na Faculdade de Direito de Paris XII – Val-de-Marne. Coordenou diversos projectos educativos e pedagógicos. É membro fundador da revista Latitudes – Cahiers lusophones e colaborador do semanário Lusojornal. Traduziu vários livros (romances, contos, poesia) de autores lusófonos. Tem poemas publicados na antologia Poetas lusófonos na diáspora (2020). É membro do Conselho de administração da Association pour le Développement des Études Portugaises, Brésiliennes, d’Afrique et d’Asie Lusophones e membro correspondente da Academia de Letras de Salvador da Bahia.
Comments