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Paulo Kellerman

Atualizado: 21 de fev. de 2022



Fotografias de © Teresa dos Santos




DICIONÁRIO DO CONFINAMENTO


Confinamento


O que custa admitir: estamos confinados em nós próprios. O alcance do nosso olhar é limitado, a possibilidade de interferência do nosso toque é ténue. Ainda assim, damos aos sentidos uma importância infinita. O que vemos, o que tocamos: acreditamos que desse modo estamos no mundo. Usamos os sentidos para sair de nós; mas conseguimos realmente ir além do nosso corpo e do nosso espírito? Ou talvez seja o corpo que aprisiona o espírito e o sonho.


E se a procura do outro for sempre uma fuga do eu?





Liberdade


A verdadeira liberdade apenas existe na mente de cada pessoa? Será uma ideia, um conceito, uma abstracção? E para que serve a liberdade conceptual na mente, se depois não se consegue materializar? O que acontece quando as liberdades de mente e corpo não estão em sintonia? Para onde nos empurraria a nossa liberdade, se nos deixássemos conduzir por ela? Para onde nos levaria? Como se dá corpo à liberdade?


E se a liberdade é a única companhia que temos?





Mapas


Caminho sempre em frente; é essa a única direcção que conheço, que quero conhecer.


É por isso que não preciso de mapas.





Máscara


– Isto das máscaras até tem um lado positivo. Protege o sorriso. É como o corpo, que está protegido pela roupa. Não quero que qualquer pessoa conheça o meu corpo. Do mesmo modo, não quero que qualquer pessoa conheça o meu sorriso.


Olhamo-nos. Olhos nos olhos, olhos na máscara. Não consigo perceber se me está a sorrir ou não.





Memória


Tal como os sonhos, a memória é caótica e incontrolável. Como podemos basear a nossa vida em algo tão errático e impalpável, tão pouco fiável, tão indefinível e transitório, como uma memória? Ou como um sonho.


Talvez as memórias e os sonhos se confundam, se misturem, se contagiem. O que é memória e o que é sonho? Como se distinguem da realidade?


Lembras os tempos em que um abraço nos salvava o dia? Ainda sonho com o teu abraço. Ainda sonho memórias.





Passeio


Para onde nos levariam os nossos passos, se caminhassem livremente, se não lhes impuséssemos sentidos obrigatórios, se não lhes definíssemos o caminho? Porque não nos deixamos simplesmente conduzir pelos nossos passos?


Porque não pisamos a relva?





Presença


Porque precisamos de destinos? Talvez sentir paz seja isso: não precisar de ir.





Respiração


As nossas respirações aproximam-nos. E a noite fica menos escura.





Solidão


O que acontece quando duas solidões se cruzam na rua? Porque não se saúdam, porque não se cumprimentam? Será que se reconhecem? Ou estará cada uma das solidões tão focada em si própria que não vê mais nada?


Como reconhecer a solidão numa fila do supermercado. Eis um bom tema para um workshop gratuito e de acesso universal; disponível no Zoom, Meet e Teams.





Tempo


É estúpido que existam calendários. Que se aprisionem assim as vidas. Que se condicionem os sentimentos e as emoções a números, a escalas, a formalismos, a padrões, a conceitos.


Sexta-feira vamos estar juntos. Sexta-feira vamos abraçar-nos. Sexta-feira seremos felizes. Sexta-feira, só sexta-feira. Consegues esperar até sexta-feira?


Apenas o tempo é livre; nós, não.





Vazio


Vazio é o que se chama ao espaço que existe entre nós. Aquele que podemos percorrer juntos.




Esta coleção de fotografias de © Teresa dos Santos está em exibição na nossa Galeria.


 

Além de numerosas edições de autor, colaborações na imprensa portuguesa e participações em antologias literárias (em Portugal, mas também no Brasil, em Espanha, em Itália e em Marrocos), Paulo Kellerman publicou livros de contos, romances, infantojuvenis, peças de teatro, livros ilustrados e ensaios. Tem sido responsável pela conceção e dinamização de inúmeros projetos em colaboração com fotógrafos, ilustradores, músicos, atores, realizadores, arquitetos, escultores ou pintores. Entre outras distinções, recebeu o Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco, da Associação Portuguesa de Escritores. Publicou o romance AVIÕES DE PAPEL na Minimalista.


Teresa dos Santos nasceu na Alemanha e vive na Maia. Descobriu o interesse pela fotografia desde cedo, mas só agora tem vindo a explorar esta área com crescente entusiasmo e dedicação, tornando-se uma forma de comunicação e expressão de emoções, uma partilha da sua visão da vida e do mundo, uma busca de si própria e do outro. O seu trabalho fotográfico pode ser seguido nas plataformas Instagram e Ello, tendo já sido destacado pelo jornal Público, bem como em diversas páginas de fotografia. Participa regularmente no projeto coletivo Fotografar Palavras.

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