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Ana Carvalho

Atualizado: 21 de fev. de 2022




LÁ FORA CÁ DENTRO


O meu hábito, como fotógrafa, é andar pela cidade e tentar captar o que vai aparecendo diante dos meus olhos. O que mais me atrai são detalhes, as formas, as linhas e as composições do acaso.





Com o confinamento, que restringiu os meus movimentos e me impediu de caminhar livremente pelas ruas, confinada em casa, comecei a ver por toda a parte imagens familiares que ganharam de repente uma importância que antes não tinham: sombras nas paredes, reflexos nos quadros e recantos de que nunca me tinha apercebido.





Mas, com o passar do tempo, cansei-me de descobrir sempre a mesma coisa e decidi explorar algumas das possibilidades digitais existentes, por exemplo, a deformação das imagens, cortando-as em pedaços e misturando-as de forma a criarem uma certa estranheza, alienando-as da realidade, mas sem perderem a sua essência.


O tempo teve aqui um papel muito importante. A mesma rotina dia após dia com a sensação de não ter nenhuma perspectiva, nenhuma saída. Como se o espaço fosse cada vez mais apertado e me sentisse andar em círculos. Foi por isso que escolhi o relógio como principal símbolo, não apenas do tempo que passa mas que avança tão lentamente que parece congelar. Outros símbolos são portas fechadas, a sua repetição, a luz que atravessa as persianas.





O "cá dentro" passou a ter um significado mais forte do que o "lá fora", onde a Natureza ia seguindo o compasso das estações, indiferente, feliz, quase eufórica.


Optei sobretudo por collages para dissecar a realidade, escapar dela e, ao combinar formas caóticas, sugerir uma sensação de claustrofobia. Uma desorientação que confunde a mente ao criar não um espaço único, mas um espaço onde nos podemos perder. O eterno conflito interno entre esperança e desespero.





Mas, no fim de contas, recebi muita inspiração de uma situação que ninguém desejava e nos apanhou de surpresa.



 

Ana Carvalho é tradutora e vive em Amesterdão. É autora da nossa fotografia de perfil. Fez o mestrado em Literaturas Germânicas em Leipzig e o leitorado na Humboldt-Universität em Berlim. Trabalhou como tradutora para a União Europeia. Colaborou como fotógrafa para várias revistas e participou em inúmeras exposições, tanto individuais como coletivas. Com o marido, Harrie Lemmens, criou a Zuca-Magazine, uma revista de literatura e fotografia, onde é responsável pelo design gráfico da edição digital e em papel. Contribuiu para dois números temáticos publicados por uma editora holandesa: um dedicado à poesia e outro a Fernando Pessoa.


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