Fotografia da autora de © Alfredo Cunha
SAVANA
Se eu te pedisse a demora, pai,
De um corpo adiado, ainda,
e te contasse de novo as viagens
que fazíamos no tempo antigo
e as minhas palavras pudessem
aquecer o teu olhar, trazê-lo de novo
ao meu chão, às minhas mãos,
como as histórias que me contavas
e depois ríamos inteiros.
Se eu te pedisse a demora, pai
para recomeçar a vida, para recompor
a ruína, juntar todos os ossos
para te devolver a luz da savana
e a respiração das árvores, o inexaurível canto
da terra, do rio que havia
e do olhar bravio das gazelas
no fulvo dorso da madrugada.
Se eu te pedisse a demora, pai
para recomeçar tudo de novo,
infância e areia correndo por nós,
só a música e o segredo da savana
o fogo da tribo, a dança
e sempre o tempo
o da fala antiga
o que se anela com deuses
e com o pó.
Maria João Cantinho é professora no Ensino Secundário e foi Professora Auxiliar no IADE (Creative University of Lisbon) entre 2011 e 2015. É membro da Direcção do Pen ClubePortuguês, da APE (Associação Portuguesa de Escritores) e da APCL (Associação Portuguesa de Críticos Literários). Colabora regularmente com a Revista Colóquio-Letras, com o JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias, e com diversas publicações. Organizou antologias de poesia para a Blanco Móvil, Lichtungen, Aujourd’hui Poème. Editou livros coletivos sobre Emanuel Levinas, Paul Calan, María Zambrano. Foi júri de Prémios (PEN Clube Português, APE, APCL, Oceanos (2017). É curadora da coleção Trás-os-Mares (Editora Circuito, Brasil), da coleção MU – Continente Perdido (Editora Exclamação), e da coleção de Ensaio da Azougue Editorial (Brasil). Foi galardoada com o Prémio Glória de Sant’Anna 2017 pela sua obra Do Ínfimo (Coisas de Ler, 2016), e nomeada finalista do Prémio PEN de Poesia (2017). Publicou várias obras de Ficção, Poesia e Ensaio.
Lindo, Maria João. Sensível e que nos acalenta nesses dias estranhos.
bjs, Ozias
Belíssimo!
Belíssimo o poema
do tempo menor
sagrado
intocado mas
os odores subiram
do chão das chuvas
vermelho
até aqui
até mim