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Maria João Cantinho

Atualizado: 28 de fev. de 2022


Fotografia da autora de © Alfredo Cunha



SAVANA



Se eu te pedisse a demora, pai,

De um corpo adiado, ainda,

e te contasse de novo as viagens

que fazíamos no tempo antigo

e as minhas palavras pudessem

aquecer o teu olhar, trazê-lo de novo

ao meu chão, às minhas mãos,

como as histórias que me contavas

e depois ríamos inteiros.


Se eu te pedisse a demora, pai

para recomeçar a vida, para recompor

a ruína, juntar todos os ossos

para te devolver a luz da savana

e a respiração das árvores, o inexaurível canto

da terra, do rio que havia

e do olhar bravio das gazelas

no fulvo dorso da madrugada.


Se eu te pedisse a demora, pai

para recomeçar tudo de novo,

infância e areia correndo por nós,

só a música e o segredo da savana

o fogo da tribo, a dança

e sempre o tempo

o da fala antiga

o que se anela com deuses

e com o pó.



 

Maria João Cantinho é professora no Ensino Secundário e foi Professora Auxiliar no IADE (Creative University of Lisbon) entre 2011 e 2015. É membro da Direcção do Pen ClubePortuguês, da APE (Associação Portuguesa de Escritores) e da APCL (Associação Portuguesa de Críticos Literários). Colabora regularmente com a Revista Colóquio-Letras, com o JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias, e com diversas publicações. Organizou antologias de poesia para a Blanco Móvil, Lichtungen, Aujourd’hui Poème. Editou livros coletivos sobre Emanuel Levinas, Paul Calan, María Zambrano. Foi júri de Prémios (PEN Clube Português, APE, APCL, Oceanos (2017). É curadora da coleção Trás-os-Mares (Editora Circuito, Brasil), da coleção MU – Continente Perdido (Editora Exclamação), e da coleção de Ensaio da Azougue Editorial (Brasil). Foi galardoada com o Prémio Glória de Sant’Anna 2017 pela sua obra Do Ínfimo (Coisas de Ler, 2016), e nomeada finalista do Prémio PEN de Poesia (2017). Publicou várias obras de Ficção, Poesia e Ensaio.

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3 Comments


Ozias Filho
Ozias Filho
Sep 08, 2021

Lindo, Maria João. Sensível e que nos acalenta nesses dias estranhos.

bjs, Ozias

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soniapalm
Sep 08, 2021

Belíssimo!

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agostinhojota
Apr 12, 2021

Belíssimo o poema

do tempo menor

sagrado

intocado mas

os odores subiram

do chão das chuvas

vermelho

até aqui

até mim

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